Todos o chamavam de Matraca, mas não porque falava demais, muito pelo contrário, tinha esse apelido justamente porque quase não falava nada. Ganhou esse nome na adolescência graças ao seu irmão Boquinha, esse sim falava pelos cotovelos e, com certeza, mais do que uma Matraca. Os amigos de Boquinha falavam isso para ele enquanto olhavam para o Matraca, uma ironia já que ele nunca abria o bico. Ele não gostava muito do apelido, mas já estava acostumado. De uma certa forma a gente sempre se acostuma, não é verdade?
O Matraca realmente não era muito de falar e muitas vezes até pensavam que ele fosse mudo ou tivesse algum tipo de problema e era comum alguém tentar ajuda-lo, depois de despertado algum sentimento de compaixão. Também acontecia o contrário, pessoas que o afastavam como se tivesse alguma doença contagiosa. No começo essa situação o incomodava e por isso ele não sentia nenhuma motivação para falar, conversar ou interagir com as pessoas. Com o tempo foi se acostumando a sua própria situação e percebeu que sua condição poderia ser interessante e vantajosa.
Por não falar quase nunca ele sempre reparou muito em si próprio, sempre foi muito introspectivo e sempre conversou muito sozinho, talvez por isso tenha se tornado um grande observador das pessoas também. Adorava criar diálogos e até mesmo conversas inteiras somente em sua cabeça quando estava sozinho e quando as pessoas ao seu redor se tornavam desinteressantes ele criava novos diálogos para elas.
Um dia começou a perceber que enquanto observava as pessoas e mudava as palavras de suas falas, elas começavam a sentir alegria do nada, paravam de falar e começavam a refletir. Não sei como essas palavras chegavam ao receptor, talvez por telepatia, por mágica ou simples energia compartilhada, mas o fato é que bastava ele pensar com vontade para que as pessoas mudassem instantâneamente de atitude. Seus pensamentos invadiam a mente das pessoas e sua voz silenciosa se tornava cada vez mais poderosa.
Certa vez enquanto observava um rapaz que discutia sem parar no telefone, começou a simular uma de suas conversas imaginando que do outro lado estivesse a namorada ou esposa, parecia mesmo que discutia com alguém do tipo, e enquanto o rapaz disparava palavrões no telefone, ele imaginava uma poesia de amor. A cada grito de “vai se foder” ele imaginava um “eu te amo” apaixonado, a cada berro de “você não vale nada” ele imaginava “você é tudo pra mim”. De repente, o rapaz se calou, olhou para o telefone meio desconfiado, como quem pensa “o que é que eu estou fazendo”, respirou por alguns segundos enquanto refletia sobre o momento e falou “me desculpe”, ao mesmo tempo em que ele, o Matraca, pensava nessas mesmas palavras. Isso o intrigou e a princípio riu consigo mesmo pela coincidência que acabara de acontecer, mas assim mesmo resolveu experimentar a própria brincadeira com mais seriedade. Descobriu que realmente tinha esse dom e passou a fazer isso com frequência.
Certa vez tentou fazer o contrário, observar pessoas que conversavam calmamente e colocar palavras ofensivas no pensamento dessas pessoas. Reparou que começavam a se agitar, a falar coisas sem pensar e a agredir os outros. Foi quando percebeu que seu poder não fugia da regra e que poderia utiliza-lo tanto para o bem quanto para o mal e entendeu, principalmente, que o poder do seu pensamento era tão forte e poderoso quanto o poder das palavras faladas, que ele não dizia.